Artigo: “A Cuiabá dos próximos 300 anos”, por Benedito Libânio
29 de abril de 2019 |
Passado o tão esperado tricentenário de fundação da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, a população da capital do estado de Mato Grosso, vive momentos incertos quanto as reais perspectivas para os próximos anos devido à ausência de um processo de planejamento urbano, que possa garantir desenvolvimento sustentável para as futuras gerações.
Detentora de uma bela história, de um povo acolhedor e generoso, e de uma Patrimônio Cultural material e imaterial valiosíssimo, nossa cidade vem sofrendo perdas irreparáveis devido ao descontrole da dinâmica urbana por parte da gestão pública municipal responsável pelo ordenamento territorial. A cidade que tem raízes estruturantes na cultura ribeirinha, sofre a degradação dos seus recursos hídricos devido à ausência de infraestrutura do saneamento básico e pela ocupação das áreas de proteção ambiental.
O nosso Patrimônio Arquitetônico e Urbanístico, por carência de consciência preservacionista e de políticas públicas que garantam a sua preservação, desconstrói-se ao longo dos anos. Por falta de aplicação dos instrumentos urbanísticos e de um planejamento efetivo, nosso território vem se consolidando em um modelo de ocupação espacial espraiado, que contribui para a construção de uma cidade mais cara para atender às demandas da sociedade.
A Mobilidade urbana desconectada de um sistema modal misto, que não dialoga com o uso e ocupação do solo e nao interage com os equipamentos públicos de saúde, educação e lazer nas suas regiões, são reflexos de uma cidade com baixos indicadores de planejamento. Um exemplo dessa falta de integração é a Pesquisa Destino Origem, ferramenta fundamental para se entender o fluxo de deslocamento na cidade e definir as diretrizes para o transporte público não é feita a mais de uma década. Observa-se também incipiente oferta de habitações de interesses social na Área Central e no seu entorno, aonde existem maiores ofertas de trabalho. Enquanto que nos vazios urbanos da Capital fomentam a especulação imobiliária que, não raro, apropria-se dos investimentos públicos já consolidados como a infraestrutura.
O saudoso urbanista Jorge Wilheim dizia que a cidade é um organismo vivo e como tal precisa ser entendida, por uma visão holística e ao mesmo tempo setorial. O que evidencia o quão desafiador é a implantação dessa dialética. Este conceito só é possível a partir de ações sistêmicas: diagnóstico, planejamento, aplicação, monitoramento e controle da produção do espaço. A condução deste processo deve ser feita por órgãos de planejamento bem estruturados, com equipes multidisciplinares de arquitetos, engenheiros, geógrafos, geólogos, sociólogos e demais profissionais. A partir daí as intervenções na cidade só devem ser realizadas através de um processo que pense o território como um todo, através de ações estratégicas de governo para médio e longo prazo. Um bom exemplo é a cidade de Curitiba que através do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano – IPPUC a anos colhe excelentes frutos.
Nesse sentido, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano é a peça fundamental para o planejamento, elabora-lo junto com a sociedade civil e aplica-lo deve ser o compromisso de todo gestor municipal. Ele define prioridades, ações, estabelece políticas públicas urbanas e rurais com foco no desenvolvimento sustentável. Cuiabá teve seu primeiro Plano Diretor em 1992, fruto do trabalho de uma equipe multidisciplinar do município coordenado pelo Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano – IPDU. Em 2007, através da Lei Complementar n° 150, esse importante instrumento urbanístico foi revisado e instituído como Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá – PDDE.
Hoje, vencido o prazo para revisão do Plano Diretor, que é de dez anos, a atual gestão municipal caminha a passos lentos para uma nova revisão. Essa visão míope reflete também a forma com que os órgãos de planejamento são tratados. Em Cuiabá o IPDU ficou extinto durante quatro anos e só voltou a ser instituído pelo município em 2015 por atitude do então prefeito Mauro Mendes, que resgatou as perspectivas para o processo de planejamento territorial. O interessante foi que este Órgão de Planejamento foi extinto exatamente no período das discussões que definiram as intervenções na infraestrutura da capital mato-grossense para o evento da Copa do Mundo de 2014.
Para exemplificar, temos cidades como Curitiba, Gramado, Medellín, Vancouver, Barcelona, Paris e muitas outras que sempre valorizaram sua cultura, sua história, investiram em planejamento urbano e colhem ótimos resultados, não só na qualidade de vida de seus moradores, mas principalmente na geração de trabalho e renda com desenvolvimento sustentável. Dar continuidade às políticas públicas, pensar a cidade como um processo dinâmico, envolver a sociedade civil organizada nas discussões e decisões, possibilitará sem dúvidas, melhorias na qualidade de vida de todos os cidadãos.
E nesse sentido, talvez um dos maiores presentes que a cidade abençoada pelo Senhor Bom Jesus de Cuiabá possa receber nos seus 300 anos de fundação, seja não só a entrega do novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, mas sim a garantia da sua aplicabilidade nos próximos anos.
(*) Benedito Libânio Souza Neto é Arquiteto e Urbanista. E-mail: arqbene@terra.com.br