Câmara pode retomar na quarta debate da MP da regularização fundiária urbana
22 de maio de 2017 |
Crongresso tem prazo até 01/06 para tomar uma decisão. Caso contrário, MP
Consta da pauta da sessão plenária da Câmara dos Deputados da próxima quarta-feira, dia 24/05/17, como primeiro item, a discussão do Projeto de Lei de Conversão 12/2017, denominação atualizada da Medida Provisória 759/2016, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, entre outras medidas. Se aprovado, o documento será encaminhado ao Senado, que terá até o dia 01/06, sexta da próxima semana, para tomar sua decisão. Caso contrário, a MP, que hoje vale como lei, cessará seus efeitos, pois terá “caducado” o prazo final para sanção presidencial.
Entre as reformas propostas pelo governo Temer, a da regularização fundiária é a que menos tem sido destacada pela imprensa nacional, mesmo com seguidas manifestações contrárias de entidades de diferentes setores e movimentos sociais. A MP estava a ponto de ser votada pelo plenário da Câmara do dia 17 no momento em que veio a público a notícia sobre a delação premiada dos donos do grupo J&F, o que causou o encerramento abrupto da sessão.
O documento tem sido objeto de intensa crítica, inclusive das entidades de Arquitetura e Urbanismo por desmontar de uma maneira açodada um arcabouço urbanístico e jurídico fruto de amplo processo de discussão e consolidação nos últimos 20 anos, invadir competências municipais e conter itens inconstitucionais.
Exigências urbanísticas são relegadas em favor de aspectos de mercado. Permite-se regularização de áreas não urbanizadas, legalização de condomínios construídos sobre terras griladas, fechamento de ruas e até a dispensa do Habite-se em certos casos.
“A regularização fundiária não é disciplina de direito imobiliário, mas de direito urbanístico. Seu objetivo não é produzir propriedade, mas gerar cidades”, afirma Haroldo Pinheiro, presidente do CAU/BR, a propósito da justificativa dada à MP 759/2016. Segundo o governo, a regularização fundiária urbana contribuirá para “o aumento do patrimônio imobiliário do País”, por representar a inserção de capital na economia, à medida que agrega valor aos imóveis regularizados, permite ao Poder Público cobrar impostos (IPTU, ITR E ITBI) e facilita aos proprietários a obtenção de créditos, dando seus imóveis como garantia. Ou seja, a inclusão apressada das áreas regularizadas no “mercado imobiliário” mostra que o fator tributário, não o social, foi determinante para deixar a urbanização em segundo plano. “Precisamos gerar cidades dignas, não propriedades precárias para arrecadar impostos”, diz o presidente do CAU/BR.
Clique no link para acessar a manifestação do CEAU (Conselho com Participação das Entidades de Arquitetura e Urbanismo do CAU/BR, constituído por CAU/BR, IAB, FNA, AsBEA, ABEA, ABAP e FeNEA), referendada no IV Seminário Legislativo de Arquitetura e Urbanismo promovido pelo CAU/BR em abril passado.
Conheça, em detalhes, as principiais críticas feitas à MP, sob o ponto de vista urbanístico:
BAIRROS DE PAPEL – “Uma das maiores preocupações do CAU/BR é a permissão para que os assentamos urbanos sejam regularizados sem intervenções urbanísticas e infraestrutura, criando “bairros papel”, pois bastaria a entrega do título de posse para inserir a gleba ocupada no sistema formal da cidade”, afirmou o presidente do CAU/BR, Haroldo Pinheiro, em audiência pública promovida pela Comissão Mista do Congresso que analisou a matéria.
A PREVALÊNCIA DO INTERESSE DOS GRILEIROS SOBRE O INTERESSE SOCIAL – Na visão do CAU/BR, a MP 759/2016 subtrai os aspectos sociais da matéria, ao impor novas exigências para a legitimação fundiária em áreas ocupadas informalmente por população de baixa renda (Reurb-S) e ao flexibilizar a regularização de loteamentos e condomínios fechados de alto padrão (Reurb-E), inclusive em áreas de preservação ambiental.
Para a população de baixa renda exige-se que não seja proprietário de outra área, por exemplo, e para a de alta renda não. Condomínios de população de alta e média renda originários de terrenos grilados serão legitimados mais facilmente que os assentamentos populares.
No caso da Reurb-S caberá ao Município promotor ou ao DF a tarefa de implantar a infraestrutura essencial, livrando a responsabilidade de muitos grileiros, sem que exista garantia de que os Municípios poderão arcar efetivamente com tais gastos.
No caso da Reurb-E, a infraestrutura necessária fica por conta do beneficiário, mas há uma exceção. Naquelas Reurb-E sobre áreas públicas, o Município poderá proceder ao custeio do projeto de regularização fundiária e da implantação da infraestrutura essencial, com posterior cobrança dos beneficiários, algo que igualmente não se pode garantir que ocorrerá.
PRECARIZAÇÃO DA MORADIA – A MP 759/2016 dispensa a exigência do Habite-se nos casos de regularização de conjuntos habitacionais localizados em áreas Reurb-S, favelas e cortiços (denominados no texto como “condomínios urbanos simples”). Além de invadir competência dos Municípios, únicos que podem legislar sobre a exigência do Habite-se, a MP consolida a precarização da moradia no país.
Segundo Haroldo Pinheiro, “é importante, sem dúvida, regularizar essas tipologias habitacionais, mas desde que respeitadas as condições para garantir a segurança dos imóveis contra incêndios ou desabamentos, salubridade e a dignidade de seus moradores”.
FALTA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA – Outro aspecto importante é a falta de obrigatoriedade de assistência técnica nos casos em que se aplicaria o instrumento do “direito de laje”, que permite, por exemplo, o registro como unidade imobiliária autônoma de moradia construida na laje de imóvel de terceiro. “A medida pode inclusive incentivar e ampliar o número de moradias inseguras e insalubres.
A MP não atenta para a falta de exigência de um responsável técnico, o licenciamento e o habite-se, apenas joga para os Municípios a decisão sobre legislar ou não sobre esses aspectos”.
Outro aspecto que exige solução técnica, não apenas jurídica, é a questão da garantia de acesso às áreas comuns como passagens internas ou escadas externas.
INCENTIVO EXCLUSÃO SOCIAL – A MP 759/2016 inclui um item que nada tem a ver com regularização fundiária, ou seja, regularização do que já está feito. Trata-se do capítulo que permite a existência de condomínios de lotes ainda a serem empreendidos. Outro aspecto grave é a permissão para “loteamentos de acesso controlado”. Em suma, diz Haroldo Pinheiro, ao invés de integrar as áreas hoje informais à cidade formal, a medida amplia os “muros” que as separam”.
CONTRADIÇÃO COM OS COMPROMISSOS ASSUMIDOS COM A ONU – “Os processos desencadeados pela MP 759 não contribuem para a efetiva implementação da Nova Agenda Urbana de forma a tornar as cidades e os assentamentos humanos mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. A Nova Agenda foi recém definida pelas Nações Unidas na conferência Habitat III e do qual o Brasil foi um dos signatários”.
POR QUE AGORA E A PRESSA? – “A MP 759/2016 trata de assuntos de vital importância e o aprimoramento de legislações é natural, mas o correto seria o governo propor um projeto de lei a respeito, para possibilitar em um tempo adequado uma maior participação da sociedade nos debates. Inclusive do Conselho das Cidades, onde estão representados todos os movimentos sociais, as entidades empresariais, a academia e as instituições de classe, mas que não se reúne há um ano por falta de convocação pelo Ministério das Cidades. Assusta muito o fato da MP estar em vigor, pois tem valor de lei, e não se sabe os desdobramentos que isso está gerando pelas consequências dos atos que estão sendo gerados sob seu manto”, diz Haroldo Pinheiro. Para juristas do IBDU (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico) o tema não justifica, constitucionalmente, sua edição como MP, que deve ser exclusiva para matérias de comprovada urgência.
MUDANÇA GERAL – Com o desmonte do arcabouço urbanístico e jurídico sobre a regularização fundiária urbana construído nas duas últimas décadas, com participação da sociedade, e já incorporado pelos Municípios, pelos cartórios e por provimentos da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Conselho Nacional de Justiça, haverá necessidade de uma custosa transição. Custosa em tempo para adaptações de legislação urbanísticas como Planos Diretores e Leis de Uso e Ocupação do Solo de cidades de todo país. E custosa também em termos de reciclagem dos corpos técnicos dos organismos públicos e privados, como cartórios, que lidam com o tema.
Tudo sobre a proposta de regularização fundiária.
Fonte: CAU/BR