O direito à moradia digna fomenta a arquitetura para pessoas de baixa renda
11 de novembro de 2015 |
O serviço especializado de projeto de residências, pode se tornar acessível para famílias de baixa renda do Estado. Segundo o renomado arquiteto e professor universitário, Luiz Claudio Bassam, é possível fazer uma grande diferença na qualidade de vida de pessoas ofertando moradia digna, isso com o financiamento público aprovado pela Lei federal nº 11.888/2008.
Para o arquiteto, que atua há 26 anos na área, destes, 10 exclusivamente com projeto arquitetônico e urbanístico, a arquitetura e o urbanismo são instrumentos de mudança social. A possibilidade de projetar para pessoas que ganham até três salários mínimos é um novo nicho de mercado que vai de encontro com o que a sociedade precisa.
O acesso à moradia é um direito previsto na constituição, no entanto, uma pesquisa do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) aponta que mais de 80% da população faz obras sem um projeto técnico de arquitetura e urbanismo. A falta de recursos é principal motivo apontado.
O professor se define como amante da arquitetura, que o causou encanto desde o primeiro dia de aula na Universidade Estadual de Londrina (UEL), em 1989, até os dias de hoje, em que se tornou pós-graduado em Didática de ensino superior pela Universidade de Cuiabá (Unic), instituição que hoje o abriga no quadro de docência.
Em entrevista após uma palestra sobre projetos arquitetônicos realizada em Sinop, 470 km distante de Cuiabá, à convite do Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo (CAU/MT) ele afirma que o projeto é o que faz a diferença entre uma casa oferecer sentimentos, sensações para as pessoas. Ter acesso a este artifício deve independer da sua renda, acredita Bassam.
Em seu histórico profissional, sendo considerado um dos arquitetos mais renomados da capital, o que o levou à entrar para a docência?
Eu sempre fui apaixonado por projetos. Isso me baseou e me fundamentou muito na questão profissional, e colaborou pra eu começar a minha vida acadêmica. A partir desse momento a ficha caiu e eu voltei a pesquisar e estudar a minha área de atuação, e dentro da faculdade eu ministro a disciplina carro chefe da escola de arquitetura, projeto e urbanismo. O curso é todo direcionado para essas duas disciplinas. E eu acredito que o projeto de arquitetura é a síntese de tudo. O urbanismo trabalha cidade, então o arquiteto não pode pensar no um edifico isolado dentro de um terreno, o loca onde ele esta, conhecer o local, o entorno de onde aquele terreno está localizado é fundamental. Não se pensa dentro de quatro muros.
E o que é essencial para se ter um bom projeto, com tudo que uma família ou uma pessoa precisa para ter qualidade de vida?
O projeto arquitetônico exige que o arquiteto seja um sociólogo, precisa conhecer pra quem ele projeta, pro ser humano, então ele tem que conhecer essa sociedade, tem que ser psicólogo, tem que entender a necessidade não só física do cliente, que precisa de um espaço de quatro por quatro pra colocar um jogo de sofá. Esse espaço não é apenas uma caixa delimitada por paredes, um teto e um piso, pra você colocar os seus moveis. Ele tem que transmitir sensações pras pessoas. Ele tem que entender as necessidades do ser humano no sentido cultural também, pra uma família cuiabana, é totalmente diferente do que você projeta pra uma família curitibana. O arquiteto tem que entender de construção, porque o projeto, brincando, tem que parar em pé. A construção tem que resistir as questões climáticas, com material adequado. Ele tem que combinar cores, formas, texturas, então ele tem que ser um artista. Tem que ter harmonia, esse equilíbrio. As formas que criamos, como edifícios, estamos criando espaços urbanos, quando colocamos um edifício, outro edifico, estamos mudando a paisagem da cidade.
E como os alunos, que serão em breve a nova geração de arquitetos, podem aprender a ter essa percepção de criatividade?
Eles precisam de referencias arquitetônicas. Não é que eles vão copiar, eles vão perceber por exemplo que lá no Chile se constrói assim, por causa do clima, do relevo, no Marrocos se constrói assim. E aqui, em Cuiabá, como eu construo? Fazemos construções como nos grandes centros, tem a ver com o cuiabano? Em Marrocos, as casas são feiras para o deserto, árido, na Amazônia a arquitetura é leve, a casa é ventilada. Aqui temos um clima mais ou mesmo amazonas e mais ou mesmo deserto. Na seca temos que fechar tudo, uma caixa de isopor, e no verão, planta duas arvores e coloca uma rede embaixo, um ambiente aberto, arejado. Em Cuiabá o clima é agressivo demais, não podemos abrir mão do conforto térmico para seguir a moda. O mundo em pleno século XXI descobriu que somos todos diferentes, mas parece que estamos cada vez mais iguais.
Há hoje em pauta a revisão da Lei de Licitações pelo Congresso, que retira a exigência do projeto para a licitação pública, sendo necessário apenas o anteprojeto. Qual a sua opinião sobre isso?
É um retrocesso muito grande pra um país que quer ser desenvolvido. Boa parte dos brasileiros não são profissionais, e isso reflete lá em cima (no congresso). Fazemos tudo de hoje pra amanha. Na época da copa, que teve aquele problema com as obras, os meus alunos reclamavam todos os dias. Uma vez eu perguntei pros meus alunos: se eu passar um trabalho hoje pra entregar no mês que vem, quem vai começar a planejar hoje? Dois levantaram a mão. Então o projeto, que é na verdade um planejamento minucioso, é deixado de escanteio. O próprio empreendedor brasileiro é imediatista, ele visa o lucro à curto prazo. Ele chega no seu escritório quinze pras seis da tarde, sai de lá 10 horas da noite, e te pede um projeto pra segunda-feira, porque na terça-feira eles já estão limpando o terreno pra alocar a obra. Então não se tem a noção de um projeto bem elaborado, bem pensado. Na Europa, em países desenvolvidos, um projeto de arquitetura dura dois, três anos, ele não dura uma semana. Só que a obra ela se faz em seis meses, e ninguém pensa em mais nada, porque já esta tudo planejado. Não tem aditivos, está resolvido. Isso é profissional. Então isso vai refletir no nosso Congresso, nas nossas obras públicas e em qualquer área da sociedade.
Temos hoje como um anseio do Conselho de Arquitetura a regulamentação da Lei que prevê assistência técnica gratuita para pessoas de baixa renda, qual o impacto dessa norma?
É um novo tipo de cliente. Tem que acabar com isso do arquiteto ficar sentado no escritório esperando o cliente aparecer. Agora ele pode ir na comunidade, ver as necessidades das pessoas, pega o financiamento, o recurso do governo e vamos trabalhar. Eu vou projetar, as pessoas que não teriam acesso a isso terão conforto, e eu vou receber por isso. A pessoa de baixa renda vai ganhar, porque vai ser um profissional que vai projetar pra ele. Não vai ser qualquer um que vai fazer um puxadinho, e vai enfiar ele lá dentro. Eu acho que o que se projeta hoje para as pessoas que ganham pouco é uma ditadura. A gente tem tantos exemplos de arquitetura de baixa renda de qualidade, que não tem esse padrão que vemos hoje. Uma arquitetura digna, mais concentrada na área urbana, e não longe dos grandes centros. Nós temos soluções de tipologias, maneiras de pensar um conjunto de residência e conforto, materiais alternativos, isso tudo desenvolvido por arquitetos. Falta a conhecimento. Pensam que aquele sistema sempre deu certo, mas não foram lá perguntar 10 anos depois como está a vida da família que mora numa moradia popular.
Falamos em arquitetura para famílias de baixa renda, e neste sentido, como podemos trazer economia para as famílias em uma residência planejada?
O principal exemplo é a economia energética. Se você fizer uma casa pra Cuiabá, com sombra, evitando que o sol entre no ambiente, você vai ter uma redução da carga térmica. Se precisar usar o ar condicionado, será numa potencia menor. Então gera uma economia violenta. Ventilação pode fazer até com que não precise de ar condicionado. Olha a economia de estresse que a pessoa vai ter. Isso pode gerar um custo maior, mas que vai me gerar uma economia futura muito grande. Sistema estrutural, por exemplo, pode gerar mais custos de manutenção, de limpeza. Uma construção mais compacta, mas com o mesmo conforto.
Comunicação CAU/MT