Artigo: O Centro da América na Copa, por José Lemos
27 de maio de 2014 |
Outro dia me perguntaram qual seria o primeiro lugar em Mato Grosso ao qual eu levaria um turista. Respondi de imediato: ao centro da América do Sul. Certo que existem muitos outros lugares para levá-lo, mas este seria o primeiro. A pessoa, surpresa, estranhou dizendo que lá não tem nada, não estaria preparado para receber o turista. Aí foi minha vez de estranhar: como não tem nada? Ali tem o centro geodésico de um continente. Aquele é um lugar especial, único no mundo e bastaria por si só, apenas assinalado por de um marco indicativo, como o que existe no local. Não fosse o edifício que hoje serve à Câmara de Vereadores, o ideal seria uma grande praça, livre, só com o obelisco para fotos dos turistas, festas, cantos, danças e outras manifestações espontâneas ou oficiais reverenciando o fato de vivermos no mesmo continente, irmãos e hermanos no mesmo barco continental.
Locais especiais como esse têm em si mesmo um potencial de emoção que segura o visitante, podendo ser um poderoso atrativo a mais ao turista. Basta que esteja limpo, seguro, bem iluminado e que sua existência seja informada ao turista. Importante, por favor, que as autoridades não permitam a instalação no local de barracas, tendas para venda do que quer que seja, ao menos durante a realização da Copa. Nem banheiros químicos. Outro dia levei um parente visitante, e para minha surpresa, estava lá um galpão escorado no obelisco do centro da América do Sul. Desrespeito. Fiquei sem graça. O local não precisa de mais nada, basta respeitá-lo e promove-lo. As agências de turismo e a rede hoteleira poderiam ter visitas programadas a serem oferecidas a preços módicos aos turistas. Ao menos na Copa.
O marco recebeu recentemente de Jaime Lerner um tratamento arquitetônico, que justamente buscou destacá-lo através da limpeza de sua área mais próxima, aliás da mesma forma como já havia proposto o arquiteto Ademar Poppi no finado IPDU da prefeitura municipal. Como o edifício da Câmara não impede a visitação ao centro geodésico e já está lá, ainda tenho esperança de vê-lo gerando emprego, renda e cultura para a população, transformado em um centro de cultura sul-americano, sobre o qual venho escrevendo desde 1982.
Segundo o professor Anibal Alencastro, a história desse marco começa com Joseph Barbosa de Sá que no século XVIII já afirmava sobre Cuiabá que: “Achace esta Villa assentada na parte mais interior da América Austral, em altura de quatorze graos não completos ao Sul da linha do Equador, quase em igoal paralelo com a Bahia de Todos os Santos, pela parte Occidental com a cidade de Lima, capital da Província do Peru, em distancia igoal de huma e de outra costa setecentos e sincoenta légoas que sam as mil e quinhentas que tem latitude nesta altura deste continente,…”.
Em 1909, a Comissão Rondon, responsável pela implantação da Linha Telegráfica ligando o Rio de Janeiro a Mato Grosso e Amazonas, instalou o importante marco como apoio referencial aos seus trabalhos, e que depois também serviu de base para o trabalho de consolidação das fronteiras brasileiras e de “marco zero” para a elaboração do primeiro mapa do Brasil ao milionésimo, duas outras hercúleas tarefas cumpridas por Rondon de forma extraordinária. Posteriormente foi realizado o mapa da América do Sul que adotou como base o mapa do Brasil ao milionésimo elaborado por Rondon e seus técnicos, o qual teve como centro para todas suas medidas o marco geodésico instalado no antigo Campo D’Ourique. Não temos o direito de negar aos visitantes em geral, e aos da Copa em particular, o privilégio de visita-lo e tocá-lo, no coração do continente sul-americano.
*José Antonio Lemos dos Santos é arquiteto e urbanista e professor universitário.