Relatórios expõem erros e inoperância do Consórcio VLT
19 de fevereiro de 2015 |
Ao todo, empresa fez 24 medições e parte das recomendações foi ignorada
Problemas de natureza grave, ausência de projeto executivo, lentidão no cronograma de execução e visíveis danos nos vagões do Veículo Leves sobre Trilhos (VLT). Estes são apenas alguns dos cerca de 600 problemas encontrados pelo Consórcio Palnservi- Sondotécnica na obra do modal de transporte de transporte coletivo de Cuiabá e Várzea Grande.
O consórcio passou a gerenciar a obra a partir da assinatura do contrato de número 001/2013, firmado pela Secretaria Extraordinária da Copa (Secopa). Além do gerenciamento, o objeto previa a supervisão dos projetos básicos e executivos e da realização de todas as obras e instalações referentes ao VLT. Contratado por R$ 46,9 milhões, o consórcio emitiu – de abril de 2013 a dezembro do ano passado – 24 relatórios ou medições, alertando para as deficiências encontradas na obra.
Todos esses relatórios abordam os principais aspectos gerenciais referentes à instalação do VLT. Especialmente, pontos associados a prazo, custo e qualidade do empreendimento.Em que pese a gravidade dos apontamentos, segundo a própria gerenciadora, grande parte deles foi – e continua sendo – ignorada pelo consórcio executor da obra.
Com as obras iniciadas oficialmente em junho de 2012 e previsão inicial de entrega em abril de 2014, a obra chegou ao final do último ano com apenas 53% dos trabalhos concluídos como um todo e, conforme a gerenciadora, mantendo um ritmo de execução bem aquém do esperado. “Pode-se notar que as obras efetivamente realizadas até o fim do mês de dezembro de 2014 correspondem ao que deveria ter sido entregue em meados de maio do ano anterior. Constata-se, pois, um atraso de 19 meses nas obras do empreendimento”, diz trecho do último relatório emitido pela gerenciadora.
Vagões milionários ao relento
Um dos pontos de destaque no último relatório do consórcio Planserv-Sindotécnica é a deterioração e o desgaste de parte dos 40 vagões do VLT, que atualmente estão abrigados no Centro de Operações e Manutenções do VLT, ao lado do Aeroporto Marechal Rondon, em Várzea Grande.
Ao custo de mais de R$ 497 milhões, formados por sete carros cada um e com capacidade para até 400 passageiros, os vagões do VLT foram fabricados na Espanha e começaram a chegar a Mato Grosso em novembro de 2013.
Em abril de 2014, no entanto, relatórios da empresa gerenciadora já apontavam para danos nas composições, uma vez que elas se encontravam fora de área coberta e expostas à intempéries da natureza. “Durante ronda de fiscalização no estacionamento dos VLTs, foram notadas algumas falhas ou faltas nas interligações (conexões) nas articulações dos vagões e a ausência de lona ou tapume de proteção dos vagões, onde estão sendo expostos à intempéries, prejudicando desta maneira, a integridade física dos componentes”, cito o relatório.
Ao longo dos meses subsequentes, foram sendo emitidos novos relatórios mensais e problemas como trincas e fissuras nas partes de vidro do modal, dispositivos sem elementos de fixação, ausência de elementos de fixação nas articulações dos vagões continuaram a ser detectados, sem qualquer providência por parte do consórcio construtor da obra.
“O visor da porta deslizante de acesso ao carro continua nas mesmas condições relatadas anteriormente, aguardando os trâmites e medidas a serem tomadas para solução do problema, conforme imagem abaixo”, diz outro trecho do relatório, este, emitido em agosto de 2014.
Relatórios continuaram a ser emitidos até dezembro daquele ano, sem que qualquer medida fosse tomada para evitar uma deterioração ainda maior.
Os documentos apontavam, inclusive, a falta de peças para a realização de alguns reparos necessários, por exemplo, nas interligações dos vagões.
Conforme alertou o relatório, “tanto a parte mecânica quanto a elétrica e pneumática, os cabos e conectores entre os carros, deverão ser estanques à penetração de água, poeira e resistentes ao ataque óleos, graxas, solventes, com isolação compatível para a tensão determinada pelo projeto, para não afetar a integridade física e estrutural dos acessórios e equipamentos no interior dos carros”.
Estas recomendações, no entanto, foram, reiteradamente, descumpridas.
Além dos problemas estruturais nos vagões do modal, a gerenciadora, em um de seus relatórios, também afirmou que, apesar de o pátio de estacionamento de trens ter sido praticamente concluído, a produção diária como um todo estava bem aquém do planejado.
“Por conta de questões contratuais, houve uma grande desmobilização da equipe do consórcio construtor, ocasionando assim, a paralisação de várias frentes de serviços”, dizia o relatório.
Obras civis
Gráficos elaborados pela gerenciadora mostravam em dezembro passado, que o volume de fornecimentos obtidos até dezembro de 2014 era o equivalente ao que era esperado para novembro de 2013, segundo operação contratual.
A entrega de todos os trens, juntamente com o fornecimento de sistemas iniciados em abril de 2014, colaborou para uma melhoria do quadro geral de andamento da obra.
Contudo, considerando as obras civis em particular, o que foi construído ate dezembro de 2014 equivalia ao que deveria ter sido entregue em meados de março de 2013, segundo o cronograma do consórcio.
Veja o gráfico:
Segundo a gerenciadora, um dos fatores que contribuíram para a melhora no quadro de andamento obra foi a entrega dos itens de material rodante e o fornecimento dos equipamentos de sistemas.
Ainda assim, a gerenciadora salientou que “neste diagrama, pode ser verificado que até dezembro de 2014 haviam sido realizados aproximadamente 53% das obras como um todo. Entretanto, segundo o próprio cronograma original do Consórcio Implantador, nesse mesmo mês já deveriam ter sido fornecidos 100% desses serviços”.
Qualidade
Além dos atrasos no cronograma de execução, a qualidade das obras também foi outro ponto reiteradamente observado pela empresa gerenciadora.
“Apesar de nos últimos meses ter percebido uma evolução promissora na qualidade das obras, ainda se encontra abaixo do patamar desejado”, dizia trecho de relatório emitido em dezembro.
De acordo com o consórcio Palnservi-Sindotécnica, uma das maiores razões dos problemas de má qualidade, decorria da subcontratação de empresas pelo consórcio implantador.
Foi constado inclusive, casos de “quarteirização” dos serviços. Ou seja, o consórcio, em algumas ocasiões, terceirizou serviços, por meio da subcontratação de outras empresas e, estas, por sua vez, também fizeram o mesmo.
“Sabe-se que algumas das empresas subcontratadas estão quarterizando alguns dos serviços”, dizia o documento.
Ausência de projetos
Outro ponto que mereceu atenção da gerenciadora, mas, ao que parece, não preocupou a Secopa, tampouco o consórcio responsável pela obra, foi a ausência ou insuficiência de projeto executivo total da obra.
“Sempre presente e comentado, o problema da frequente falta ou insuficiência de projetos para o correto desenvolvimento das obras continua a comprometer o empreendimento como um todo”, diz o relatório da gerenciadora. “Sem projetos adequados, não há como garantir a qualidade e até a segurança das obras executadas”, completa outro trecho.
Segundo a documentação, alguns dos projetos executivos apresentados pelo consórcio responsável pela obra sequer poderiam ser classificados desta forma, já que o nível insuficiente de detalhamento da obra daria ao estudo, a característica de “projeto básico”.
“Observa-se que muitos dos trabalhos entregues sob a designação de “projetos executivos” continuam a ser melhor caracterizados como sendo projetos básicos, dado o nível insuficiente de detalhes apresentados”, cita o relatório.
De acordo com a gerenciadora, o Consócio VLT-Cuiabá chegou a se comprometer em refazer alguns projetos, dos quais nenhum ainda foi entregue.
Até o final de fevereiro, a Controladoria Geral do Estado de Mato Grosso (CGE) concluirá o relatório de auditoria acerca dos alertas emitidos pela empresa gerenciadora das obras do VLT à então Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo (Secopa).
Conforme o controlador geral do Estado, Ciro Rodolpho Gonçalves, o relatório terá a identificação das responsabilidades pelas irregularidades apontadas nos documentos.
“Mapeamos todos os episódios dos 24 relatórios da gerenciadora do contrato do VLT e vamos identificar qual a responsabilidade de cada agente nessa cadeia de acontecimentos: autoridades da Secopa, fiscais dos contratos, empresa gerenciadora e Consórcio Construtor. As tarefas de cada um desses personagens já foram catalogadas numa condição normal de contratação pública e agora vamos identificar as responsabilidades”, afirmou Gonçalves.
Os relatórios de auditoria serão entregues à Procuradoria Geral do Estado (PGE), para as medidas civis, e à Corregedoria Geral, também ligada à CGE, para as providências administrativas.
A PGE exigirá do Consórcio Construtor a garantia de manutenção, substituição e reparação de todo o material entregue e ainda não recebido definitivamente.
Outro lado
A reportagem tentou contato com o Consórcio VLT-Cuiabá, mas foi informada que não existe mais uma assessoria de imprensa que responda pela empresa.
As ligações para o escritório do consórcio não foram atendidas.
Fonte: Midia News