Artigo: “Desabafo e esperança”, por José Lemos
15 de maio de 2017 |
Como cuiabano e urbanista poderia estar comentando sobre os 269 anos de Mato Grosso, o estado campeão, ou o hepta campeonato estadual conquistado pelo Cuiabá em 11 anos de existência, ou ainda falar diretamente sobre o Projeto de Lei da prefeitura propondo o absurdo da regularização de malfeitorias urbanísticas, ou mesmo a ação do Ministério Público em relação às ocupações da Beira Rio. Mas não, vou tentar concluir a trilha dos artigos anteriores sobre as eleições proporcionais em nosso país.
Por que uma pessoa que se apresenta como arquiteto e urbanista insiste em falar sobre política sem nenhuma autoridade técnica ou militância na área? A consciência cidadã angustia a todos os brasileiros com um mínimo de responsabilidade nesta triste quadra pela qual passa o Brasil. Aos que trabalham com o urbanismo talvez a angústia seja maior pois, além da responsabilidade cidadã de todos, seu objeto específico de trabalho é a cidade cujos governos nos países de fato democráticos são escolhidos através do voto em eleições que expressam a vontade do povo, da cidadania, seu verdadeiro dono. Infelizmente a insipiente democracia brasileira seguiu caminhos diversos. É vã a missão técnica voltada para o desenvolvimento da cidade com qualidade de vida para seus habitantes, se as autoridades responsáveis pela aplicação dos estudos, planos e projetos não têm o menor compromisso com o cidadão e a cidade que deveriam representar.
Como urbanista dedicado ao estudo das cidades e de nossa cidade em particular, sinto-me como um palhaço, mas sem frustração porque perder é decorrência de ter lutado. Resta-me agora espernear, ao menos desopilar o fígado através destas reflexões que se tivessem outras ambições, talvez fosse a de estimular os jovens futuros colegas ou não colegas também a refletir, entendendo que a Política (com “P” maiúsculo) é fundamental para a vida do país e das cidades, ela que foi surrupiada à cidadania brasileira por interesses escabrosos em “tenebrosas transações”, expressão usada por Chico Buarque em outros tempos. O que leva um urbanista a refletir sobre Política é o desabafo, mas também a esperança de um dia as cidades serem respeitadas em suas verdadeiras dimensões técnica e política em favor do bem-estar e da qualidade de vida de seus habitantes.
Lembro o papa Francisco em visita ao Brasil, quando disse que o “futuro exige hoje a tarefa de reabilitar a Política, que é uma das formas mais altas da Caridade.” Deixou-nos um desafio e uma lembrança que eu custei a captar, a Política como “uma das formas mais altas da Caridade”, afirmando, com a ênfase da repetição, ser urgente reabilitá-la. Como assim? Nada mais “nada a ver” no Brasil do que Política e Caridade. Tão absurdo que à primeira vista cheguei a pensar numa escorregadela do Sumo Pontífice, uma bobagem. Mas para um católico o papa não fala bobagem e aprofundei-me em sua fala, que acabou me conduzindo à lembrança de que o político deveria ter como meta a “res-publica”, o bem comum, dedicando sua vida a esse objetivo maior, entendendo seu próprio bem particular como uma extensão do bem de todos. Aí entendi o sentido caridoso da verdadeira Política. Na verdade, aí aprendi o grandioso projeto da Democracia pelo qual continua valendo a pena lutar. Mais que nunca.
JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, arquiteto e urbanista, é conselheiro do CAU/MT e professor universitário. joseantoniols2@gmail.com