Artigo: “Copa do Pantanal, 2 anos”, por José Lemos
5 de julho de 2016 |
São pouco mais de 700 dias que, entretanto, parecem séculos. Em curto tempo, a Copa do Pantanal enquanto evento desapareceu na nossa memória, sumida na fuligem da velha politicagem local dos governos desconstruírem a obra dos antecessores pelo abandono, falta de manutenção ou funcionamento. Mas isso é outro assunto. Também não me refiro aos investimentos privados tipo fábrica de cimento, resort, shoppings, hotéis, nem às sempre tão focalizadas obras públicas.
Passados 2 anos de sua realização, tento lembrar o evento global em si, que foi Copa do Pantanal, que de fato aconteceu aqui em Cuiabá, um fato histórico comprovável nos arquivos da época dos sites noticiosos, e que pode ter seu início simbólico na chegada do primeiro torcedor estrangeiro, no dia 3 de junho, o chileno Cristian Guerra, após 4 meses de viagem de bicicleta e 5 jogos de pneus. O grande palco foi a maravilhosa Arena Pantanal, aquele luminoso espaço high-tech que traduziu tão bem o encantamento da tríade vitruviana, a ponto de transportar cerca de 40 mil pessoas confortavelmente a cada jogo para um mundo de alegria, vibração positiva, selfies, whatsapps, como se fosse uma nave mágica de sonho, escolhida pela crônica esportiva internacional como a mais funcional das Arenas, mas que hoje está impedida de receber jogos nacionais por falta de alvarás(!). E teve ainda o Fan Fest, no qual eu não fazia a menor fé, mas que chegou a receber mais público que a própria Arena; a Arena Cultural da prefeitura, um show diário de cultura local para milhares de pessoas, e a Praça da Popular, espaço do coração adotado por todas as torcidas.
Mas na grandiosa festa pantaneira o principal que me salta à memória é o nosso povo, uma gente em princípio tão simplória, desconfiada e arredia, que, porém, foi capaz de dar show de alegria, calor humano, receptividade e civilidade, condição primeira para a realização de um evento desse porte. Isso não se compra e nem pode ser esquecido. O principal para a Copa Cuiabá já tinha pronto, sua gente, e teve ainda a sorte ter recebido primeiro as torcidas do Chile e da Austrália. Juntas com o cuiabano a empatia foi imediata. Os australianos mais comedidos em gestos e expressões, mas muito expressivos com seus grandes e vistosos cangurus infláveis e suas vestimentas quase carnavalescas. Já os chilenos com uma alegria contagiante, de caráter mais patriótico, com rostos pintados nas cores nacionais e a camisa da seleção, enrolados na bandeira de seu país. Subitamente nas ruas, praças, shoppings ouvia-se um grito forte e solitário “chi-chi” logo seguido por dezenas ou centenas de outras vozes “lê-lê, chi-chi, lê-lê”. Impressionante. Para mim, a mais genuína festa de massa que presenciei em meus mais de sessenta anos. E depois vieram os russos e coreanos, bósnios e nigerianos e, ao fim, colombianos e japoneses, todos sem timidez no uso das cores, cantos, gritos pacíficos, mascotes e fantasias ensinando que, mesmo distantes no espaço os povos podem ser muito afins na alegria e na cordialidade.
Aos milhares vieram também torcedores de outros países, e brasileiros de muitas cidades de Mato Grosso e do Brasil, todos integrados num grande momento de alegria espontânea e genuína. E aquela que pensavam ou torciam para ser o patinho feio da Copa, na verdade era um belíssimo tuiuiú que serenou bonito no alto e assentou ainda mais lindo no chão. E a menor e menos preparada das sedes, com seus rios e seu calor sadio, seu sotaque e modo de viver, do tereré e do guaraná, do Siriri e do Cururu, virou uma grande festa internacional de paz e harmonia indelével no exato coração sul-americano e na memória do povo cuiabano. Jamais será esquecida.
JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, arquiteto e urbanista, é professor universitário. joseantoniols2@gmail.com