Artigo: “CUIABÁ 320-19”, por José Lemos
22 de abril de 2020 |
Uma cidade não dá no pé como caju ou goiaba. A cidade é uma invenção humana, aliás, a maior, a mais importante, a mais bem sucedida e, também, a mais complexa. Ela é um objeto construído pelo homem, normalmente edificada a cada dia pelos seus donos, os cidadãos, numa obra sem fim, um grande e permanente canteiro de obras. Ao contrário do que parece, não são os governos que constroem a cidade normal e saudável. Ela é construída aos poucos e cotidianamente pelo cidadão, do mais simples ao mais poderoso; aos governos cabem as obras comuns de infraestrutura, bem como sua ordenação, através do planejamento e controle dessa grande obra.
Assim é Cuiabá, nascida à beira de um corguinho chamado Ikuiebô, o “córrego das estrelas” para seus habitantes originais, os Bororos, pelas pepitas que faiscavam em suas margens à luz da lua. A monumental Enciclopédia Bororo dos Salesianos ensina que a cidade recebeu o nome das pedras que ainda hoje ficam na foz deste mesmo corguinho, agora um canal de esgoto sob a grande avenida Coronel Duarte, a popular Prainha, e que eram chamadas pelos autóctones de Ikuiapá, lugar onde se pesca com flecha-arpão. Já existiam ocupações anteriores nas regiões do São Gonçalo Beira-Rio e do Coxipó do Ouro, hoje áreas dinâmicas e integradas da cidade, embora na época distantes e em decadência pela descoberta do ouro às margens do Ikuiebô.
E ela floresceu formosa, mãe de cidades e estados, mãe do próprio Mato Grosso. O aniversário de Cuiabá deveria ser também o aniversário deste “Ocidente do imenso Brasil”. Sobreviveu a duras penas, forjando uma gente corajosa e sofrida, mas alegre e hospitaleira, dona de rico patrimônio cultural e com proezas que cobram mais carinho dos historiadores. Cuiabá hoje vibra em dinamismo, globalizada e provinciana, festeira e trabalhadora, centro de uma das regiões mais produtivas do planeta, agora abalada com o mundo pela covid-19.
Mas Cuiabá que já venceu males maiores como a varíola e a gripe espanhola, vencerá mais esta, seguindo vibrante na construção do seu futuro a ser planejado e controlado em favor do bem comum, para que a soma do trabalho de cada um na grande obra urbana resulte numa cidade cada vez mais bela, justa, confortável, segura e ambientalmente sustentável, com padrões crescentes de qualidade de vida. Neste processo, 2020 é especial pelas eleições municipais previstas, que mesmo ameaçadas pela pandemia, serão um tempo para a sociedade pensar seu futuro, eleitores e candidatos.
Para o Tricentenário, a cada ano escrevi artigos em contagem anual regressiva a partir do 290º aniversário da cidade. Passados os 300 anos, Cuiabá deveria adotar um novo marco a ser alcançado, por exemplo o seu 320º aniversário, um prazo de 20 anos, horizonte mínimo para o planejamento de uma cidade e um tempo com alguma chance de alcançar com meus artigos. Neste período além de metas macro como o resgate do Sistema de Municipal de Desenvolvimento Urbano, um urgente e agressivo plano de recuperação econômica pós pandemia, a otimização da infraestrutura, o ajustamento da malha viária através dos padrões geométricos mínimos de cada via e a desocupação digna das áreas de risco, poderiam ser incluídos também projetos específicos perseguidos a tempos pela cidade metropolitana, entre estes a revitalização do Centro Histórico, a ferrovia, o Rodoanel, o centro cultural sul-americano, a internacionalização do aeroporto e seu hub aeroviário, a distribuição do gás e a consolidação da Região Metropolitana como principal polo de verticalização da economia do estado. E por que não um time na série “A” do brasileirão? 20 anos dá? Agora só faltam 19.
JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, arquiteto e urbanista, é conselheiro licenciado do CAU/MT, acadêmico da AAU e professor aposentado.
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