Conheça os 30 pontos fundamentais da Nova Agenda Urbana
5 de outubro de 2016 |
O mais importante virá após Quito: trazer para a realidade os compromissos assumidos. Por Júlio Moreno
Documento extenso, com 165 itens, muitos deles com significados praticamente iguais, e uma linguagem diplomática, a Nova Agenda Urbana é melhor compreendida com a leitura do resumo de seus 30 pontos-chaves de ação. “Cada um deles é uma ferramenta clara, específica e implementável, que permite aos governos, autoridades municipais e organizações diversas da sociedade agirem para inverter a tendência atual descendente na qualidade da urbanização”, nas palavras da arquiteta e urbanista brasileira Marja Edelman, que conduz a secretaria da América Latina e Caribe da Habitat III.
Em palestra feita no III Seminário de Política Urbana e Ambiental promovido em Manaus, em setembro de 2016, pela Comissão de Política Urbana e Ambiental do CAU/BR, em conjunto com a Comissão de Relações Internacionais e o Fórum de Presidentes do CAU, a secretaria historiou o processo de construção da Nova Agenda nos últimos cinco anos, centrados em três pré-conferências realizadas em 2014 (Nova York), 2015 (Nairobi) e 2016 (Surabaya).
“O processo foi complexo, com muita dialética e a conferência de Quito certamente será a mais participativa que se tem registro na América Latina. O processo, porém, não se esgota no documento. O mais importante é o que vem agora, a implementação da Nova Agenda Urbana, transformá-la em realidade. E para isso as autoridades locais, o comprometimento de cada cidadão, as redes de colaboração da sociedade civil, o setor privado disposto compartilhar dos mesmos compromissos e as instituições diversas são fundamentais. Quanto maior o compromisso, mais confiança haverá. Os governos nacionais sozinhos não dão conta. Mesmo não tendo participado das etapas anteriores, o CAU/BR não está atrasado: seu papel fundamental começa agora, ajudando a trazer para o chão os sonhos da Nova Agenda Urbana”.
Clique aqui para acessar o arquivo em pdf da apresentação de Marja Edelman
Clique aqui para acessar a versão oficial em inglês da Nova Agenda Urbana
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As 30 ações-chaves estão divididas em cinco campos:
A. Política Urbana Nacional;
B. Legislação Urbana – Regras e regulamentos;
C. Planejamento e Projeto Urbano;
D. Economia Urbana e Finanças Municipais;
E. Extensões / Renovações Urbanas Planejadas
A. POLÍTICA URBANA NACIONAL
1. O planejamento baseado nas projeções de população faz a diferença entre as cidades com infraestrutura deficiente e favelas lotadas e as cidades que distribuem benefícios urbanos e qualidade de vida para todos.
2. O planejamento para regiões em vez de apenas cidades ajuda a evitar aglomeração urbana, e preserva a conexão física e econômica de uma cidade com a sua base rural.
3. A política urbana nacional distingue os níveis de responsabilidade para todos os níveis de governo e outros interessados, estabelece mecanismos de coordenação, e garante a responsabilização por resultados de desenvolvimento urbano.
4. A criação de um sistema de governança metropolitana impede a duplicação de serviços e desperdício de recursos e ajuda com o planejamento de rotas de transporte consistentes e outros serviços.
5. Os planos urbanos com força de lei fornecem aos moradores da cidade previsibilidade em torno da propriedade, a segurança da posse, direitos de acesso e os planos individuais para o futuro. Eles também garantem que o desenvolvimento é transparente e que os espaços e serviços públicos de uma cidade são protegidos.
6. As políticas urbanas nacionais devem garantir padrões mínimos no planejamento de serviços urbanos básicos, tais como água, saneamento e energia, ou as características básicas de projeto de ruas que promovam o caminhar seguro, o andar de bicicleta e o acesso aos transportes públicos.
B. LEGISLAÇÃO URBANA – REGRAS E REGULAMENTOS
1. O estabelecimento de sistemas de gestão de terras, incluindo ferramentas de planejamento, finalidade e administração do solo urbano, é necessário para o fornecimento sustentável de todos os outros elementos do tecido urbano. As estruturas legais devem ser acessíveis a todos, portanto, é preciso reconhecer a realidade do pluralismo jurídico, a informalidade e a insegurança generalizada de posse da terra, identificando soluções práticas e equitativas.
2. Mecanismos legais para adquirir, estabelecer e manter o espaço público são fundamentais para o caráter e habitabilidade de uma área urbana O espaço público, particularmente ruas e espaços verdes, fornece a estrutura básica dos assentamentos humanos que perdura ao longo de décadas e séculos. O espaço público reforça a coesão da comunidade, a identidade cívica, a qualidade de vida e aumenta a produtividade econômica.
3. Regulação inclusiva dos elementos centrais da urbanização: os serviços básicos como água, saneamento, gestão de resíduos e transportes públicos devem ser acessíveis a todos, independentemente do status ou a segurança da posse. O desenho dos quarteirões deve garantir um tecido urbano diversificado que torne o espaço construído acessível a todos e que suporte uma grande variedade de usos econômicos e culturais.
4. Promover o equilíbrio de direitos e interesses no desenvolvimento urbano através do controle proativo. O investimento público em infraestrutura e a autorização para novas urbanizações que criem valor na propriedade devem ser reinvestidos nos serviços que essas propriedades necessitam e no desenvolvimento urbano geral, bem como beneficiar os proprietários individuais. Cidades que visam maior equidade entre os cidadãos, a estabilidade financeira e o aumento da prestação de serviços, precisam definir marcos legais para equilibrar de forma justa os encargos e os benefícios da urbanização.
5. É necessária a elaboração de códigos que suportem uma cidade economicamente vibrante, inclusiva e segura, tanto a nível de rua e do bairro. Os códigos devem ser atualizados e localmente relevantes, mitigando riscos e promovendo a eficiência ambiental.
6. As regras e regulamentos devem ser eficazes na realização dos objetivos políticos acordados de forma eficiente e previsível. Eles devem ser objetivos, de custo eficaz, apoiarem um quadro de governança relevante para a diversidade de contextos urbanos e incentivadores de resultados inclusivos.
C. PLANEJAMENTO E PROJETO URBANO
1. Os padrões urbanos têm uma grande influência sobre as condições de habitação e a sustentabilidade. As áreas para edificações devem ser equilibradas por espaço público que permitam aos residentes desfrutarem de seus bairros. O projeto de padrões de rua, quarteirões, blocos, tramas e arranjos de construção afeta diretamente a habitabilidade, condições de caminhar, segurança, sociabilidade, impacto ambiental e produtividade dos bairros. Áreas acessíveis tornam mais fácil a oferta de serviços urbanos e fluxo do comércio.
2. O tempo de viagem entre a casa e o trabalho tem um enorme impacto sobre a qualidade de vida dos moradores. Bairros de uso misto, com residências próximas ao emprego, promovem percursos rápidos, economizando tempo e reduzindo o consumo de energia e as emissões de gases de efeito estufa. Se bem concebidos, eles também podem promover espaços públicos socialmente interativos e flexíveis.
3. Ar fresco e áreas verdes melhoram a vida de todos. Parques, florestas urbanas, zonas úmidas, áreas agrícolas nos perímetros urbanos, ruas urbanizadas, telhados verdes e superfícies verdes verticais melhoraram o ecossistema urbano e o microclima. E inclusive têm demonstrado eficiência na redução de crimes violentos.
4. Os moradores da cidade devem estar no centro de planejamento urbano. O desenvolvimento imobiliário muito frequentemente tem levado à segregação de alguns grupos socioeconômico. A ‘habitação no centro ” implica uma abordagem de planejamento holístico que coloca as pessoas e as suas necessidades diárias no centro da política de desenvolvimento urbano e faz da moradia a preços acessíveis um dos pilares da vida da cidade.
5. Um planejamento de crise rígido reduz o tempo de recuperação e assegura que a vida normal dos moradores seja restaurada rapidamente. Um bom planejamento de crise envolve todos os atores, de equipes de emergência e autoridades municipais para o governo central. Um bom plano pode aumentar a resiliência e reduzir a perda de vidas e bens durante uma emergência.
6. Um bom planejamento inclui a provisão para o comércio e o crescimento econômico. Espaços econômicos urbanos diversos, que também servem para os empresários de pequena escala e que estão perto de casas, aumentam a produtividade e meios de vida em geral, incluindo uma melhor qualidade de vida para os trabalhadores.
D. ECONOMIA URBANA E FINANÇAS MUNICIPAIS
1. Identificar as principais fontes de financiamento sustentável. O reforço da capacidade econômica e financeira de uma cidade aumenta as oportunidades econômicas para os residentes e permite que a cidade financie a prestação de serviços básicos de infraestrutura local, como habitação a preços acessíveis.
2. Os Planos de investimento devem apoiar o crescimento a longo prazo das cidades. A urbanização planejada permite às cidades identificar futuras oportunidades para a geração de receita e alocar recursos para investimentos prioritários. Planos de investimento também facilitam orçamentos realistas e exequíveis.
3. O financiamento local irá determinar o futuro do desenvolvimento de infraestrutura urbana nos países em desenvolvimento. As autoridades urbanas podem aumentar receitas locais, aproveitando as regras de planejamento e a utilização de instrumentos financeiros disponíveis localmente, tais como a partilha do valor da terra, empréstimos comerciais e investimento externo.
4. Os instrumentos de planejamento ajudam os governos locais a maximizar valor. Instrumentos inovadores como a requalificação do uso do solo ajudam os proprietários de terras e os moradores da cidade a utilizarem e reconstruírem áreas da cidade. Povoar e desenvolver terras subutilizadas e reconstruir áreas pós-desastre / pós-conflito, podem estimular o desenvolvimento a longo prazo, fornecendo resultados a curto prazo.
5. Investir em serviços urbanos básicos melhora as condições de vida dos moradores da cidade. Avaliações rápidas do nível de acesso aos serviços urbanos básicos ajudam as autoridades municipais a estimar os investimentos necessários para atender às demandas da crescente população urbana. Fontes de financiamento internas e externas devem ser utilizadas para melhorias e construção de novas infraestruturas. Aspectos de sustentabilidade podem ser considerados nos programas e projetos de soluções.
6. Opções de financiamento habitacional devem estar disponíveis para moradores de baixa renda. Isso é possível por meio de políticas criativas e visionárias, tais como subsídios cruzados, financiamento hipotecário, financiamento de habitação social e de aluguel, mecanismos de crédito para construtores, o crédito para os desenvolvedores e prestadores de serviços e suporte para edifícios de construção com materiais resistentes.
E. EXTENSÕES/RENOVAÇÕES URBANAS PLANEJADAS
1.Uma vez estabelecida, uma rua é pode durar mil anos. Quando as pessoas ocupam áreas onde não foram estabelecidos o espaço público adequado e os direitos de passagem, o resultado são favelas, segregação e congestionamento. O reequipamento de uma área urbana é difícil e caro. É muito mais fácil e mais barato planejar com antecedência.
2.O planejando com base em projeções holísticas demográficas, econômicas e outras faz diferença na qualidade de vida dos futuros centros urbanos, evitando que sofram com infraestrutura inadequada e sobrecarregada, superlotação, engarrafamentos, assédios por vandalismo e opulência, em contraste com aqueles que fornecem infraestrutura suficiente, vitalidade e acessibilidade.
3.Sempre que possível, o “preenchimento” urbano e a urbanização de favelas é melhor, criando densidade adequada da população, uso misto de bairros e vibração urbana. A urbanização de terrenos baldios, favelas e áreas industriais degradadas permite que as cidades acomodem o crescimento sem aumentar a sua extensão urbana sobre terras ecologicamente valiosas. Esta abordagem resulta na redução de uso de energia e nas emissões de gases de efeito estufa urbanas.
4.Integração é a chave para a prestação equitativa e eficaz dos serviços urbanos. A melhoria desses serviços deve ser concebida como um pacote integrado, intersetorial, permitindo o uso racional dos recursos e proporcionando espaços comuns como os direitos de passagem necessários. A sustentabilidade pode ser construída lastreada na melhoria planejada dos serviços básicos.
5.A oferta de terras para a expansão urbana precisa acompanhar o mesmo ritmo do crescimento da cidade. Para alcançar este objetivo, devem ser identificadas e protegidas as áreas destinadas a extensões da cidade planejada. Essa medida permite também um controle sobre o mercado de terras e a ampliação da acessibilidade em toda a cidade.
6.A descontrolada especulação de terras é um fardo para o crescimento de cidades equitativas e um bom planejamento. A especulação ao reter a terra por longo tempo, para ganho de capital futuro, deixa áreas desocupadas quando há uma necessidade de habitação, por exemplo; o investimento prévio em terras aumenta seu valor e pode inviabilizar financeiramente um projeto para a cidade. Mecanismos legais devem abordar ambos.
Júlio Moreno, jornalista, é chefe da Assessoria de Comunicação Integrada do CAU/BR