Habitat III: incorporação do Direito à Cidade “salva” a Nova Agenda Urbana
21 de outubro de 2016 |
O fato é histórico, dizem os defensores do conceito, por incluir o território entre os direitos humanos
Com 175 parágrafos, a Nova Agenda Urbana que a conferência Habitat III aprovou nessa quinta, (20/10/16), está sendo considerada por muitos participantes, aqui em Quito, Equador, algo como uma “lista de lavanderia” na qual cabe genericamente “tudo o que está abaixo do Sol”. Quase uma platitude, o que levou inclusive a o secretário-geral da Habitat Joan Clos defender o documento ao dizer que, como peça de consenso entre 195 países, “não poderia mesmo ter uma qualidade literária”.
Um ponto, contudo, foi considerado basilar: a incorporação pela Nova Agenda Urbana do Direito à Cidade, conceito formulado em 1968 pelo intelectual francês Henri Lefebre. “É algo que temos de celebrar pois a internacionalização do Direito à Cidade é uma conquista histórica”, diz o advogado brasileiro Nelson Saule Júnior, especializado em direito urbanístico.
Membro do Instituto Polis e do Fórum da Reforma Urbana ele é um dos defensores pioneiros do conceito, já previsto no Brasil pela Constituição e pelo Estatuto da Cidade, por pressão de movimentos sociais, mas alvo de muitas controvérsias em fóruns mundiais, inclusive nas três pré-conferências da Habitat III. Ao final, por consenso, acabou incluído como equivalente a “cidade para todos”, como menciona o parágrafo 11º. da Nova Agenda Urbana:
“Nós compartilhamos uma visão de cidades para todos, que se refere ao uso equitativo e ao disfrute das cidades e dos assentamentos humanos, buscando promover a inclusão e assegurando que todos os seus habitantes, das gerações presentes e futuras, sem discriminação de qualquer espécie possam viver e produzir cidades e assentamentos humanos justos, seguros, saudáveis, acessíveis, econômicos, resilientes e sustentáveis, para promover a prosperidade e a qualidade de vida para todos. Observamos os esforços de alguns governos nacionais e locais para consagrar esta visão como direito à cidade, em suas legislações, declarações políticas e estatutos”.
A cidade – qualquer que seja sua dimensão – é vista como um “bem comum”, expressão que acabou excluída do parágrafo nas negociações finais para faciliar um acordol a respeito do tema. De qualquer forma, o documento afirma que o Direito à Cidade está interligado e interdependente de todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos que, no entanto, não incluíam até agora a exclusão espacial, suas causas e consequências. E esse é o grande avanço.
Tendo como pilares a a distribuição espacialmente justa dos recursos públicos, a cidadania plena e o respeito à diversidade sociocultural, o Direito à Cidade tem como titulares os habitantes das cidades, os movimentos sociais, as ONGs e instituições de defesa pública.. Seus componentes são a função social da terra, espaços públicos de qualidade, relações urbano-rurais inclusivas e sustentáveis, economia inclusiva, cidadania inclusiva, maior e melhor participação política, não discriminação, igualdade de gênero e diversidade cultural.
Essas definições fazem parte da atualização do conceito, em especial no campo urbano, dada pelo geógrafo britânico David Harvey e adotada em diversos fóruns mundiais da sociedade civil, inclusive com a participação do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil). Nos debates inicias para a formulação da Nova Agenda Urbana, Canadá, União Europeia, Japão, Russia e Estados Unidos se opuseram à inclusão do conceito no documento. Brasil e Equador, que lideravam a campanha a favor, aos poucos ganharam aliados, em especial de países latino-americanos, e conseguiram conciliar os conflitos. Uma das adaptações necessárias foi a substituição da expressão “nos comprometemos” por “nós compartilhamos” na introdução do parágrafo 11.
Em debates ocorridos na Habitat III, alguns palestrantes disseram-se frustrados com a redação dada ao parágrafo 11. Um dos participantes afirmou que o item poderia incorporar a universalização do saneamento básico, inclusive com a definição de fontes nacionais e globais para seu financiamento; a desvinculação da habitação do mercado financeiro; e mecanismos para conter a apropriação privada da valorização da terra. Outra painelista disse que faltou incorporar o direito ao território.
Para Nelson Saule não há porque investir mais tempo nesse tipo de discussão. “O momento é de implementação e, nesse sentido, o Direito à Cidade pode servir como plataforma política para integrar as diferentes redes que tratam de gênero, trabalho informal, moradia social, uso da terra, espaços públicos de qualidade, etc, tendo como objetivo cidades inclusivas, justas e democráticas “. Uma Plataforma Global pelo Direito à Cidade acaba de ser lançada.
Para saber mais sobre o histórico e os resultados dessas conferências, clique aqui.
Júlio Moreno (de Quito)